segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Nascimento de uma fera citadina

Mulher de barrigão apressada caminha pela rua;
Os sinos da Igreja Matriz batem a última chamada da missa;
Ela quer chegar a tempo, antes de a missa começar.

Consegue chegar, acomoda-se em um banco.
Movimenta-se: ora levanta, ora ajoelha; segue fiel ao ritual religioso.
Dentro da barriga dela, o feto se mexe, dá os primeiros sinais que quer sair.
Está quase chegando a sua hora.

A mãe insiste em rezar, a criança em nascer.
Por alguns minutos elas disputam para ver quem vence.
A missa ainda não passou das leituras bíblicas.
A mãe quer rezar, a criança quer nascer.

As dores das contrações ainda leves começam a aparecer.
A mãe acha que dá para esperar a missa até acabar,
A criança insiste em nascer.
A missa chega ao Ofertório,
A mãe oferece contrita aquela oblação.

Que Deus abençoe o seu filho!
Que seu nascimento seja feliz!
Que venha testemunhar e honrar a grandeza da criação divina!

A mãe é religiosa, ela pensa em Deus,
A criança nada sabe sobre a vida que a espera.
No interior da barriga da mãe, o bebê sofre contraído envolto pela bolsa e submerso no líquido amniótico.

As dores das contrações se ampliam,
A mãe não consegue inibi-las,
Compartilha com o pai da criança que está ao seu lado.
O varão da família orgulhoso do seu primeiro rebento,
Não tem dúvidas do que está para acontecer.

De mãos dadas com sua mulher, saem rapidamente da Igreja sob o olhar dos fiéis que ocupam todos os bancos da nave principal.

O pai está ansioso, seu primeiro filho vai nascer.

O pai conduz o veículo, com a mãe quase em trabalho de parto dentro dele, direto para a Maternidade.

Chegam à Maternidade e, na sala de parto, as contrações são fortes e é chegada a hora do bebê nascer.

A mãe suada, com seu esforço no parto normal, só abranda o seu sofrimento com um sorriso ao ouvir o choro do bebê. O pai acompanha tudo tão emocionado quanto ela.
Lágrimas escorrem nos seus rostos.
O bebê nasceu.
É homem!

O pai quer que ele seja fera, macho! A mãe se contenta que ele seja feliz. Pensa na família, na vida nova a três. O pai pensa que o filho poderá unir ainda mais o casal. A família se completa, tudo parece harmonia e até irreal.

Fora da Maternidade, a vida da cidade continua. Os ruídos dos carros nas ruas, mesmo naquele ambiente de hospital, ecoam nos ouvidos dos seus pacientes. Para a fera nascitura é impossível imaginar o que está por vir.  

A selva de pedra vai incorporar em seu seio mais aquela ferinha. Fera que, como tantas outras, nascem e crescem todos os dias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário